Jane Corona Consultoria Financeira e Patrimonial
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
O mercado recebe com um certo alivio o fato de o governo ter iniciado mudanças em pontos fundamentais das contas públicas e os eleitores "não Dilma"cada vez com maior indignação.
As últimas medidas anunciadas nessa semana de 19/01 são dirigidas a aumento de arrecadação: IOF em empréstimos que passou de 1,5% para 3%, ressurgimento da CIDE sobre combustíveis que deve ter um impacto de R$ 0,22 sobre o litro de gasolina ( Petrobrás deve repassar integralmente o novo imposto), medidas sobre produtos importados e sobre setor ).
Outras são mudanças na previdência com objetivo de a médio e longo prazo consertar um problema que vem se avolumando: o governo gasta hoje R$ 165 bilhões por ano ou 3% do PB com essas pensões. Esse valor é absurdo e a tendência seria aumento progressivo conforme o envelhecimento da população agravado por regras frouxas da legislação anterior:
Hoje apenas quem tem no mínimo 44 anos teria direito a receber essa pensão pelo resto da vida (expectativa de vida máxima de 35 anos ou inferior a esse prazo), anteriormente qualquer pessoa mesmo com 18 ou 20 anos de idade poderia se habilitar a receber a pensão por morte de forma vitalícia.
Se a pessoa tiver expectativa de vida de mais de 55 anos receberá a pensão por 36 meses e entre 35 e 45 anos pelo prazo de até 15 anos
Também será necessário comprovar 2 anos de casamento ou união estável e 24 meses de contribuição previdenciária para fazer jus ao beneficio (anteriormente não havia essa limitação).
O valor da pensão não será mais de 100%, ficou limitado a 50% do salário do segurado o que torna a nossa legislação mais dura que a de muitos países, nesse aspecto particular.
A legislação anterior, paternalista, incentivava o casamento de jovens com aposentados.
O impacto dessas medidas vai demorar a ser sentido nas contas públicas, mas foi um avanço em relação ao sistema anterior que significava um ônus de 3 vezes o de países europeus que tem um população muito mais madura que a do Brasil considerada jovem.
Pena que não vai atingir o funcionalismo público federal que tem direito, em sua maioria a 70% de taxa de reposição (valor do benefício sobre o salário do contribuinte)
Essas mudanças estavam prontas há mais de dois anos e precisavam de vontade política para serem executadas.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Mentiras e verdades sobre Orçamento e contas de Joinville
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Economia em compasso de espera
Os resultados do crescimento do PIB no primeiro trimestre deste ano de crescimento de 0,2% sobre o último trimestre do ano passado e dados de investimento mostram que não vamos ter o aumento do PIB esperado para o ano.
A demanda por máquinas e equipamentos e construção civil já vem em decréscimo desde julho do ano passado e se mantém assim, o que é a pior noticia de todas.
Mesmo com todas as medidas tomadas pelo governo e o esforço para manter a economia aquecida , o cenário não é animador.
Dados dão conta de que a inadimplencia vem aumentando o que aumenta o risco de entrarmos em desaquecimento com os níveis elevados de endividamento existentes.
As projeções são de queda na taxa Selic a 8%a.a (hoje 8,5%) o que pode resultar em maior endividamento sem impacto no crescimento da economia.
Muito do que se tem visto na política econômica resulta da mão pesada do governo atuando no sistema financeiro para reduzir os juros à força e em mais dos mesmos incentivos usado após a crise de 2008: política fiscal expansionista com base em impostos federais.
E a tão sonhada reforma fiscal?
Com bases tão corroídas e em meio a acusações de todos os lados, que se atreve a mexer nos fundamentos?
Enquanto isso, nossa bolsa de valores vai no arrastão dos mercados europeus e asiáticos e, sem dar trégua, continua em movimento de baixa sem perspectiva imediata de alívio.
Em tempos nunca vistos em que se fala de países inteiros ameaçando colapso e que eram considerados potência como a Espanha, a busca por um lugar abrigado para passar o temporal é o único caminho que o mercado enxerga.
Países como o Brasil com tantas dúvidas e discrepâncias e problemas de todos os tipos não são considerados oásis seguros nem mesmo pelos que aqui cresceram e atuam no mercado.
Vamos esperar tempos mais amenos, mas que venham logo!
domingo, 16 de outubro de 2011
Para onde vamos?
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
E Marx tinha razão?
“Além disso, a não ser que os membros da classe média tenham educação e habilidade para adicionar valor aos seus serviços para serem mais produtivos, eles vão em breve ser forçados a aceitar a baixa remuneração do proletariado”, diz Molano. Esse cenário cria enorme frustração para bilhões de jovens. Relutando em aceitar essa situação, “eles tomam as ruas – virando carros, jogando coquetéis Molotov e saqueando indiscriminadamente.”
Magnus cita o alemão no relatório “As convulsões da economia política”: “A um certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações existentes de produção ou (...) com as relações de propriedade dentro do arcabouço no qual eles haviam operado até aquele momento.”
Segundo Magnus, não é necessário ser “membro da Internacional Socialista" para reconhecer a relevância das palavras do alemão. “Para Marx, o conflito pós-feudal levaria a uma revolução social e derrubaria a sociedade burguesa, mas nós sabemos que isso não ocorre, porque o modelo ocidental de desenvolvimento econômico reviu e democratizou o conceito de propriedade (dos meios de produção”., escreve Magnus. Apesar disso, diz ele, o “velho era um analista bastante sagaz”, que aprendeu muito de economia política de economistas como Adam Smith e David Ricardo, entre outros, “oferecendo alguns insights ainda relevantes sobre como e por que as coisas ocorrem na economia e na sociedade”.
A citação acima, diz o economista do UBS, “captura a ideia importante de conflito ou turbulência quando ocorrem eventos que levam a desafios ao poder, autoridade e legitimidade da ordem política e econômica existente”. Para ele, nos últimos meses, ocorreu "uma sucessão desses desafios na zona do euro, nos EUA e até mesmo, de modo embrionário, na China”.
Stern, por fim, escreveu que “Marx estava certo sobre a mudança”, ressaltando o fato de alemão ter dito que, embora interpretar o mundo seja algo importante, o ponto mais relevante é mudá-lo. “Se os capitalistas querem manter o seu mundo seguro para o capitalismo, eles precisam enfrentar o que está errado com ele e mudá-lo rapidamente.”
Já Roubini, por muitos chamados de apóstolo do apocalipse por suas opiniões pessimistas, em entrevista ao Wall Street Journal sobre a economia americana afirma:
WSJ: O sr. pinta um quadro sombrio. O que os governos e as empresas podem fazer para que a economia volte a crescer ?Assim somos nós: nos apoiamos em teorias que nos agradam ou convém e desprezamos outras que nos ameaçam ou deixam desconfortáveis para explicar, sempre posteriormente, o que acontece a nossa volta.
Precisaríamos ter passado por crises tão intensas com prejuízo a tantos países se o velho alemão estava lá o tempo todo explicando claramente onde iríamos chegar?
Se o mais importante é mudar o mundo e não interpretá-lo o que estamos fazendo para isso?
E as gerações que estão começando agora que nem mais são obrigados a ler os dois imensos volumes de "O Capital "? São estes que estarão governando os países e gerenciando as empresas no futuro.
E eu não sou nem um pouco pessimista, ao contrário.
Jane Corona
Artigos:
http://www.valor.com.br/valor-investe/casa-das-caldeiras/989632/volta-de-marx
http://online.wsj.com/article/SB10001424053111903392904576512620274724948.html?mod=WSJP_inicio_RightTopCarousel_1&linkSource=valor
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
O movimento de pânico.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
Juros: equívoco ou jabuticaba?
Home › Valor Econômico › Impresso › Especial
Há uma agenda de reformas modernizadoras que foi abandonada e esquecida.
Juros: equívoco ou jabuticaba?
André Lara Resende | De São PauloImprimEnviar por e-m
Os juros no Brasil continuam a causar perplexidade. Enquanto no mundo todo, desde a crise financeira de 2008, as taxas estão excepcionalmente baixas, o Brasil é uma exceção. A taxa de juros continua alta; não apenas alta, mas muito alta.
Durante duas décadas, entre o primeiro choque do petróleo em 1973 e o Plano Real em 1994, a inflação brasileira desafiou políticos e intelectuais em busca de uma saída para um mal que corroía os salários, concentrava a renda, distorcia os preços, aumentava a incerteza e dificultava a avaliação dos investimentos. Independentemente da velocidade com que governos, ministérios e métodos foram testados e substituídos, a inflação seguia seu curso, parecia alimentar-se das tentativas fracassadas de controlá-la e ameaçava até mesmo a estabilidade institucional.
A inflação brasileira do último quarto do século XX era diferente da inflação encontrada nos países desenvolvidos à mesma época. Não era a mesma inflação, apenas mais alta, como a totalidade dos analistas externos e a grande maioria dos analistas no Brasil supunham. Tinha um elemento novo, uma especificidade própria, que lhe dava um caráter essencialmente distinto*.
A inflação no Brasil tinha se tornado uma doença crônica. Após anos de inflação, formas de conviver com a alta generalizada de preços foram desenvolvidas e até mesmo inteligentemente institucionalizadas nas reformas modernizadoras de 1965. Os mecanismos de indexação de salários, preços e contratos tinham se generalizado. A indexação permite conviver com uma inflação moderada sem desorganizar completamente o sistema de preços relativos, mas em contrapartida, por ser retroativa, projeta a inflação passada na inflação futura. Introduz uma rigidez no processo inflacionário que o torna muito mais resistente aos esforços para controlá-lo. Uma vez atingido um determinado patamar, ainda que na ausência de novas pressões, a taxa de inflação perpetua-se, por meio do que se convencionou chamar de inércia inflacionária.
"A taxa continua alta, mesmo após a redução da incerteza e apesar da expansão do investimento de longo prazo".
A indexação permite melhor conviver com a inflação, mas introduz um forte componente inercial que a torna resistente aos métodos tradicionais para combatê-la. Um longo período de altas taxas de inflação, numa economia onde há indexação generalizada, muda a natureza do processo inflacionário e lhe dá características e complexidades específicas, diferentes das inflações moderadas encontradas nas economias desenvolvidas da segunda metade do século XX.
Numa época em que o mundo era menos interligado do que é hoje, em que o desconhecimento do que se passava nas economias periféricas era grande, não se podia contar com o auxílio dos centros acadêmicos desenvolvidos para se debruçarem sobre uma especificidade subdesenvolvida. Ao contrário, toda tentativa de argumentar que o processo inflacionário brasileiro requeria análise diversa e políticas específicas era recebida, no mínimo, com ceticismo e, na maior parte das vezes com ironia. Obrigados a pensar por conta própria, houve no Brasil um intenso debate sobre a natureza da inflação que, depois de muita tentativa e erro, levou-nos, com o Plano Real. A URV, uma moeda indexada virtual, foi solução sofisticada e original para o problema da inércia da inflação crônica.
A alta taxa de juros no Brasil de hoje nos remete à questão do processo inflacionário crônico do século passado. Estamos diante de uma nova especificidade brasileira, uma jabuticaba, ou trata-se meramente de um oneroso equívoco?
Em 2004, Edmar Bacha, Pérsio Arida e eu argumentamos que poderia haver uma especificidade na alta taxa de juros brasileira**. Descartamos como uma mera curiosidade teórica, a hipótese de que a política monetária pudesse estar excessivamente apertada, presa num "mau equilíbrio". Um equilíbrio perverso, onde a taxa excessivamente alta leva a uma despesa excessiva com juros, que aumenta o risco percebido dos títulos públicos, que por sua vez exige taxas mais altas.
A possibilidade de que a própria política de juros altos provoque a necessidade de juros altos, embora tenha grande apelo ideológico à esquerda, foi originalmente formulada por Olivier Blanchard, macroeconomista de credenciais inquestionáveis, atualmente economista-chefe do FMI***. Como a carga fiscal no Brasil já estava entre as mais altas do mundo e à época havia um expressivo superávit primário, procuramos encontrar uma possível razão além de um ajuste fiscal insuficiente e de uma dívida pública muito alta, para que a taxa de juros fosse tão excepcionalmente alta. Não nos parecia viável exigir um novo aperto fiscal pelo lado da tributação e as dificuldades de reformas e de redução dos gastos públicos são conhecidas. Haveria um fator específico na economia brasileira, uma jabuticaba, que pudesse explicar a anomalia dos juros?
"Uma questão fundamental a ser superada é a insuficiência de poupança voluntária"
Introduzimos a especificidade brasileira como uma conjectura teórica: a possibilidade de que houvesse uma "incerteza jurisdicional". A incerteza da jurisdição brasileira provocaria, por parte dos agentes detentores de poupança, uma resistência insuperável ao alongamento dos prazos das aplicações financeiras. A evidência do risco jurisdicional era o fato de que os mesmos credores, que resistiam a alongar os prazos em reais, estavam dispostos a fazê-lo nos títulos financeiros denominados em outras moedas, contratados em outras jurisdições. A "incerteza jurisdicional" seria decorrente de um viés anti-credor generalizado, encontrado principalmente, mas não apenas, no executivo, que sistematicamente subestimou a correção monetária, aplicou redutores nos contratos financeiros públicos e privados, taxou de forma discriminatória as aplicações financeiras e chegou ao extremo de congelar e expropriar a poupança financeira e monetária privada com o Plano Collor. Gato escaldado tem medo de água fria - o brasileiro, depois de tanto ser maltratado e espoliado, teria desenvolvido uma resistência a poupar a longo prazo, sobretudo em moeda nacional.
Embora tenhamos deixado claro que a incerteza jurisdicional era essencialmente uma percepção, associada a um viés anti-credor histórico de difícil mensuração, algumas tentativas de encontrar evidência da sua presença, em amostras com diferentes países, foram feitas, mas sem sucesso****.
Hoje, com significativos avanços, tanto em relação à conversibilidade do Real, como em relação à extensão dos prazos de financiamentos domésticos denominados em reais, a taxa de juros no Brasil continua extraordinariamente alta. A incerteza jurisdicional pode ter contribuído para que a taxa de juros fosse excepcionalmente alta logo após a estabilização da inflação, mas nos últimos anos, a incerteza diminuiu, o mercado interno de crédito de longo prazo evoluiu e a taxa de juros continua muito alta. Fica evidente que algo mais estrutural está por trás das altas taxas de juros no Brasil.
Há os que atribuem a culpa exclusivamente à política monetária do Banco Central, que teria sido - e continuaria - excessiva e equivocadamente restritiva. Segundo estes, os juros altos têm explicação simples: são resultado do equívoco do Banco Central. Um equívoco que resistiu às mudanças de governo e da composição de sua diretoria, mas apenas um longo e insistente equívoco.
O argumento de que se trataria apenas de um equívoco pode variar entre uma versão mais tosca, onde a política exageradamente dura do Banco Central é quase que pura perversidade, até os mais sofisticados, que são variantes da tese da "dominância fiscal" de Blanchard. A mais razoável é a tese de que o Banco Central, sem independência formal e cuja diretoria não tem mandato, está sujeito a pressões políticas. Para ganhar credibilidade precisou ser mais realista do que o rei. Manteve as taxas sistematicamente acima do necessário para conter a inflação dentro das metas.
Para que esta tese se sustente, dado que a inflação nunca esteve abaixo da meta, é preciso recorrer à hipótese do duplo equilíbrio. Existiria uma taxa de juros, mais baixa do que a efetivamente praticada pelo Banco Central, que teria igualmente sido capaz de manter a inflação dentro das metas. O equilíbrio dos últimos anos, desde o Real, seria um equilíbrio perverso, onde alta taxa de juros eleva o custo da dívida pública, agrava o desequilíbrio fiscal, que por sua vez eleva o risco dos títulos públicos e a taxa de juros de equilíbrio. Tudo mais constante, teria sido possível manter a inflação dentro das metas com uma taxa de juros mais baixa e menor risco percebido da dívida pública.
Assim formulada, a tese do duplo equilíbrio é uma possibilidade teórica, mas não há, nem certeza da existência prática de um segundo equilíbrio com taxas de juros mais baixas, nem garantia de que, na hipótese de efetivamente existir um melhor equilíbrio, dado que estamos no "mau equilíbrio", fosse possível atingí-lo pela mera redução, brusca ou gradual, da taxa de juros. Em termos técnicos, o entorno do equilíbrio perverso pode ser instável e não garantir a convergência para o melhor equilíbrio. Do ponto de vista prático, a existência de um equilíbrio superior é irrelevante, dado que o risco fiscal percebido é efetivamente alto, e não se pode correr o risco de baixar os juros e perder controle da inflação.
Parece-me, entretanto, que a hipótese da dominância fiscal e do duplo equilíbrio de Blanchard foi descartada como uma curiosidade teórica, sem que a devida atenção tivesse sido dada à única recomendação prática que dela se pode extrair.
A hipótese de Blanchard inverte a premissa clássica de que existe um "trade-off" entre a taxa de juros real e o déficit fiscal. Este "trade-off" pode ser deduzido da equação de equilíbrio no mercado de bens, onde juros mais altos reduzem a demanda privada e abrem espaço para maior gasto do governo, sem pressão inflacionária. Inverter a relação negativa entre juros e demanda agregada tem sido uma tentação recorrente ao longo dos tempos. Não é difícil compreender por quê. Invertida a relação entre a taxa de juros e a demanda agregada, torna-se possível compatibilizar uma política fiscal e monetária demagógica com a teoria e a racionalidade.
A hipótese de Blanchard, onde esta inversão ocorre pela percepção de risco da dívida pública, quando tanto a dívida como a taxa de juros são muito altas, embora sofisticada e conceitualmente possível, é efetivamente apenas uma conjectura teórica. Dela não se pode extrair a recomendação de que o Banco Central deveria baixar os juros, pois nada garante que um novo e melhor equilíbrio seria encontrado.
Ainda que a hipótese de Blanchard fosse demonstrada verdadeira, a única conclusão possível de ser extraída é de que para baixar a taxa de juros, com garantia de que a inflação se manterá dentro das metas, é preciso reduzir o risco percebido da dívida pública. Para isto, o único caminho direto e seguro é aumentar o superávit fiscal e reduzir a dívida.
Cabe aqui um paralelo entre a questão da taxa de juros hoje e a questão da inflação crônica do século passado. Uma identidade básica das contas nacionais nos mostra que o déficit público deve ser igual à soma da poupança privada e do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Ou seja, o déficit público é necessariamente financiado pela poupança privada doméstica e pelo financiamento do déficit da conta corrente, que pode ser chamado de poupança externa. Uma questão fundamental a ser superada por países pobres é a insuficiência de poupança. A insuficiência de poupança decorre tanto da premência das necessidades básicas de consumo, quanto da falta de instituições e hábitos indutivos da poupança. Na ausência de poupança voluntária institucionalmente canalizada para o financimento do investimento, tanto público quanto privado, a inflação pode servir como uma forma de criar poupança forçada. A inflação transfere recursos dos trabalhadores para o governo e as empresas. Se o governo gasta e investe mais do que arrecada, mas não há poupança privada suficiente para financiar o seu déficit, a inflação é a forma de transferir poupança forçada para o setor público, através da redução da renda e do consumo privado. A incompatibilidade, a priori, entre o déficit público e a poupança privada resolve-se, a posteriori, por meio da inflação.
Sem inflação, mas mantida a incompatibilidade entre o déficit público e a poupança voluntária - a taxas de juros razoáveis - é preciso recorrer a taxas de juros extraordinariamente altas para inibir o consumo privado e estimular a poupança. Na raiz das altas taxas de juros do Brasil de hoje está a mesma incompatibilidade entre a poupança voluntária e o desejo de investimento e consumo, público principalmente, que alimentou o processo inflacionário crônico do século passado. Apesar dos inegáveis avanços, ainda não conseguimos superar integralmente a restrição de poupança interna necessária para financiar nossas ambiciosas metas de investimentos e de gastos públicos.
Pode-se sempre recorrer à chamada poupança externa. A poupança externa é equivalente ao déficit em conta corrente que o resto do mundo está disposto a nos financiar. O excesso de importações sobre as exportações de bens e serviços é consumo interno financiado pela poupança do exterior. O recurso à poupança externa pode efetivamente aliviar a restrição da poupança interna, mas precisa ser utilizado com cautela, ao menos para os países que não são emissores de moedas-reserva*****. Financiar o excesso de gastos sobre a renda com déficits em conta corrente significa sujeitar-se às mudanças de humores, quase sempre bruscas, dos investidores internacionais. Pode ser uma forma legítima de aliviar a restrição doméstica de poupança e acelerar o crescimento, se o déficit em conta corrente estiver sendo utilizado para financiar o investimento e não - como ocorre com frequência - o consumo.
De toda forma, para que a poupança externa reduza a pressão sobre as finanças públicas é preciso que a moeda nacional possa flutuar livremente. É preciso aceitar, nos períodos em que o financiamento externo é abundante, uma valorização expressiva da moeda, com todas suas implicações favoráveis e desfavoráveis. Da mesma maneira, é preciso aceitar os impactos simultaneamente inflacionários e contracionistas decorrentes da redução, ou até mesmo do desaparecimento temporário, do financiamento externo. Se o Banco Central intervém para evitar a valorização percebida como excessiva da moeda, a necessidade de esterilizar os recursos emitidos para a compra de reservas internacionais restabelece a pressão sobre a necessidade de financiamento do setor público. A existência de financiamento externo só alivia a restrição de poupança interna para o financiamento público se a moeda puder flutuar livremente e não houver intervenção esterilizada para evitar a sua valorização. ******
À época da formulação do Real, insisti que era um equívoco pensar que o fim da inflação pudesse depender apenas de um plano de curto prazo. A inflação é sempre um sintoma. Sintoma de problemas que podem ser muito diferentes, mas que exigem um longo e consistente processo de superação. Não me parece exagero afirmar que alta taxa de juros brasileira de hoje ainda é decorrente da estabilização inacabada. Há uma agenda de reformas modernizadoras que foi abandonada e esquecida. Mais do que isso, houve reversão do projeto de tornar o estado menos ineficiente e a economia mais competitiva. A poupança privada pode ser estimulada através do desenvolvimento institucional e da educação, mas os resultados não são imediatos. A curto prazo só há um remédio: reduzir a despesa pública para compatibilizá-la com a taxa de poupança privada disponível, ou seja, reduzir o déficit público.
Tenho consciência de quão anticlimático é concluir que para baixar a taxa de juros é preciso reduzir a despesa e a dívida pública. Logo após o fracasso do Plano Cruzado, com a inflação explodindo para níveis até então nunca vistos, Pérsio Arida e eu, já fora do governo, mas ainda com restos da áurea de milagreiros, fomos convocados ao Palácio da Alvorada para uma reunião com o presidente da República. Ao terminarmos nossa exposição sobre a necessidade imperiosa de reduzir o déficit público, como condição para qualquer tentativa de controlar a inflação, o presidente José Sarney desabafou: "Para controlar a inflação por meio da redução dos gastos públicos eu não preciso de economistas brilhantes".
Infelizmente, com ou sem economistas brilhantes, para reduzir a taxa de juros e manter a inflação sob controle, a poupança voluntária deve ser capaz de financiar o investimento, público e privado, almejado. Para isso é preciso que as despesas correntes, especialmente os gastos correntes do setor público, sejam mantidas em níveis compatíveis com a taxa de poupança nacional. Em economia ao menos, não há milagres nem jabuticabas.
*Lara Resende, A. (1988) "Da Inflação Crônica à Hiperinflação: Observações Sobre o Quadro Atual", Departamento de Economia - PUC/RJ
**Arida, P., Bacha, E, and Lara-Resende, A., (2004) "High interest rates in Brazil: conjectures on the jurisdictional uncertainty" in: Inflation Targeting and Debt: the Case of Brazil:, MIT Press 2005
***Blanchard, O. (2003) "Fiscal dominance and inflation targeting: lessons from Brazil" in Inflation Targeting and Debt: The Brazilian Case, MIT Press 2005
**** Gonçalves, F; Holland, M. and Spacov, A. (2006) "Can jurisdictional uncertainty and capital controls explain the high level of real interest rates in Brazil? Evidence from panel data" Revista Brasileira de Economia vol 61 no 1 Rio de Janeiro, jan/mar 2007
*****Ver Lara Resende, A. (2009) Em plena crise: uma tentativa de recomposição analítica - Estudos Avançados 65 -U SP
****** Ver Fraga, A, e Lara Resende, A. (1985) Déficit, dívida e ajustamento: uma nota sobre o caso brasileiro - Revista Brasileira de Economia
André Lara Resende é Economista.
Este é o terceiro de uma série de artigos sobre a conjuntura atual, com foco nos problemas de câmbio, juros e inflação, feitos por renomados economistas a pedido do 'Valor'. Amanhã publicaremos o artigo de Luiz Carlos Mendonça de Barros.
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