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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

E Marx tinha razão?

Em meus tempos de universidade os livros de Karl Marx exerciam um poderoso fascínio sobre alguns estudantes e, em outros, obrigados por disciplinas como sociologia a enfrentar o calhamaço, um temor: será que vou mudar lendo isso?

Hoje esse estranhamento foi superado e os escritos desmistificados a ponto de estarmos vendo cada vez mais economistas famosos citarem Marx dando razão à sua teoria.
Como sempre acontece, proliferaram na internet citações atribuídas ao mesmo e que são absolutamente não confirmadas, como:
"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia fazendo-os dever cada vez mais até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado"

Afinal, do que se trata? Porque esse retorno?
Segundo economistas como Nouriel Roubini,(RGE), Molano (BCP), Magnus (UBS) as idéias de Marx são um instrumento poderoso para entendermos o que acontece hoje em escala mundial: movimentos sociais, desemprego, alienação.
O economista alemão previa esses acontecimentos e elaborou uma análise bastante precisa do conflito que se vê hoje: “A um certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações existentes de produção ou (...) com as relações de propriedade dentro do arcabouço no qual eles haviam operado até aquele momento.”

Sua teoria ajuda a explicar o que acontece hoje no chamado "verão do descontentamento".
Com o uso do crédito financeiro, o bombardeio da mídia e o varejo de massas, havia uma ilusão de crescente prosperidade para todos. A classe média, “sempre um grupo em transição com probabilidade igual de se mover para cima ou para baixo”, é agora espremida por fatores como a desaceleração da atividade econômica global e a desalavancagem (o processo de redução do nível de endividamento).

“Além disso, a não ser que os membros da classe média tenham educação e habilidade para adicionar valor aos seus serviços para serem mais produtivos, eles vão em breve ser forçados a aceitar a baixa remuneração do proletariado”, diz Molano. Esse cenário cria enorme frustração para bilhões de jovens. Relutando em aceitar essa situação, “eles tomam as ruas – virando carros, jogando coquetéis Molotov e saqueando indiscriminadamente.”

Magnus cita o alemão no relatório “As convulsões da economia política”: “A um certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações existentes de produção ou (...) com as relações de propriedade dentro do arcabouço no qual eles haviam operado até aquele momento.”

Segundo Magnus, não é necessário ser “membro da Internacional Socialista" para reconhecer a relevância das palavras do alemão. “Para Marx, o conflito pós-feudal levaria a uma revolução social e derrubaria a sociedade burguesa, mas nós sabemos que isso não ocorre, porque o modelo ocidental de desenvolvimento econômico reviu e democratizou o conceito de propriedade (dos meios de produção”., escreve Magnus. Apesar disso, diz ele, o “velho era um analista bastante sagaz”, que aprendeu muito de economia política de economistas como Adam Smith e David Ricardo, entre outros, “oferecendo alguns insights ainda relevantes sobre como e por que as coisas ocorrem na economia e na sociedade”.

A citação acima, diz o economista do UBS, “captura a ideia importante de conflito ou turbulência quando ocorrem eventos que levam a desafios ao poder, autoridade e legitimidade da ordem política e econômica existente”. Para ele, nos últimos meses, ocorreu "uma sucessão desses desafios na zona do euro, nos EUA e até mesmo, de modo embrionário, na China”.

Stern, por fim, escreveu que “Marx estava certo sobre a mudança”, ressaltando o fato de alemão ter dito que, embora interpretar o mundo seja algo importante, o ponto mais relevante é mudá-lo. “Se os capitalistas querem manter o seu mundo seguro para o capitalismo, eles precisam enfrentar o que está errado com ele e mudá-lo rapidamente.”

Já Roubini, por muitos chamados de apóstolo do apocalipse por suas opiniões pessimistas, em entrevista ao Wall Street Journal sobre a economia americana afirma:

WSJ: O sr. pinta um quadro sombrio. O que os governos e as empresas podem fazer para que a economia volte a crescer ?
Roubini: As multinacionais não estão fazendo nada, não estão ajudando. Elas dizem que há um excesso de capacidade e por isso não contratam, porque no fim não há demanda. Mas há um paradoxo e isso cria um círculo vicioso, se não contratam não há renda, não há confiança nos consumidores, não há consumo, não há demanda. Isso piorou nos últimos dois ou três anos porque houve uma redistribuição gigantesca de renda para o capital, dos salários para os lucros, as desigualdades entre a renda e o patrimônio aumentaram, a propensão ao gasto com supérfluos é maior nas famílias que nas empresas, porque as empresas são mais propensas a poupar. Essa redistribuição de renda e patrimônio piora o problema de falta de demanda agregada.
Karl Marx tinha razão, o capitalismo pode se autodestruir quando chegar a um determinado ponto, porque não pode continuar tirando renda do trabalho e transferindo para o capital especulativo sem criar excesso de capacidade e falta de demanda agregada. Foi isso que aconteceu. Pensávamos que os mercados funcionavam. Não estão funcionando. O que é individualmente racional é que cada empresa queira sobreviver e prosperar, e isso significa cortar gastos trabalhistas ainda mais. Mas os custos trabalhistas são a renda e o consumo de outros. Por isso que há esse processo de autodestruição.

Assim somos nós: nos apoiamos em teorias que nos agradam ou convém e desprezamos outras que nos ameaçam ou deixam desconfortáveis para explicar, sempre posteriormente, o que acontece a nossa volta.

Precisaríamos ter passado por crises tão intensas com prejuízo a tantos países se o velho alemão estava lá o tempo todo explicando claramente onde iríamos chegar?

Se o mais importante é mudar o mundo e não interpretá-lo o que estamos fazendo para isso?

E as gerações que estão começando agora que nem mais são obrigados a ler os dois imensos volumes de "O Capital "? São estes que estarão governando os países e gerenciando as empresas no futuro.

E eu não sou nem um pouco pessimista, ao contrário.

Jane Corona

Artigos:

http://www.valor.com.br/valor-investe/casa-das-caldeiras/989632/volta-de-marx

http://online.wsj.com/article/SB10001424053111903392904576512620274724948.html?mod=WSJP_inicio_RightTopCarousel_1&linkSource=valor

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